© Pedro Menezes
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120 anos de atividade do Farol do Ilhéu de Cima

“Bom dia!

Chamo-me Farol do Ilhéu de Cima e comemoro hoje, dia 11 de maio de 2021, 120 anos de atividade. Penso que, este já longo tempo de atividade me dá o direito de vos contar um pouco de mim, certo?

O “Plano Geral de Alumiamento e Balizagem” de 1883 contemplam a minha construção, que se iria situar na ponta do Ilhéu Branco, mas, como em tudo há sempre um, “mas”, só em 1896 é que este assunto (construção) veio a ser objeto de um estudo mais aprofundado. O então diretor das Obras Públicas, João Hafe e o Capitão do Porto do Funchal, José Vianna Bastos, depois de terem colhido informações na Ilha do Porto Santo, junto de algumas autoridades locais e de outras pessoas com prática de costa, sobre os rumos habituais das embarcações que por ali passam e ainda sobre o local referido no Plano de Alumiamento, concluíram ter havido equívoco na designação do ponto indicado para o Farol, pois não existia ali nenhum Ilhéu com o referido nome. Como referi no início, entrei em funcionamento regular no dia 11 de maio de 1901, garbosamente equipado com um aparelho provisório de sexta ordem, dióptrico catadióptrico e um candeeiro a petróleo com luz fixa, branca.

Em 1923 o edifício foi ampliado a fim de dispor de habitações para cinco faroleiros, depósito de petróleo e sobressalentes. Como podem imaginar a minha vida passou a ser, se é que lhe posso chamar, muito mais ativa em vários sentidos. Dava-me prazer ver e sentir os faroleiros andarem abaixo e acima, muitas vezes numa azáfama, percorrer todo o meu interior, preencherem o diário do Farol, indicando direção do vento, visibilidade, ondulação e o quadrante da mesma entre outras muitas coisas.

Em 1925 beneficiei daquilo a que hoje chamamos o “Upgrade”, o aparelho de sexta ordem foi substituído por um aparelho de segunda ordem (700 mm de distância focal), de rotação, aeromarítimo, a rotação da óptica era produzida através de máquina de relojoaria, nem imaginam como me sentia “vaidoso”, passe a imodéstia, no entanto a fonte iluminante continuou a ser o candeeiro a petróleo, podem imaginar o trabalho que tinham os faroleiros, desde dar corda ao aparelho de relojoaria, limpeza da fuligem provocada pelo candeeiro a petróleo e todas as outras tarefas que se possam imaginar para manter o Farol em perfeitas condições.

Em 1935 retiraram-me o candeeiro a petróleo e passou a ser por incandescência pelo vapor de petróleo (para quem não faz ideia, posso dizer que era um sistema idêntico ao funcionamento dos fogões a petróleo que por aqui na Ilha são conhecidos por “cozinheiras”, onde o petróleo é vaporizado). Em 1956 fui eletrificado, montaram dois grupos de electrogéneos passando a minha fonte luminosa a ser uma lâmpada de 3000W. Aqui atingi o meu auge, tinha uma bela lente de cristal, chamada lente de fresnel e aí os faroleiros ainda eram mais orgulhosos de mim, até me protegiam durante o dia dos raios de sol para não queimarem o cristal. Com tudo isto, tinha também regularmente e principalmente no verão a visita das famílias dos faroleiros, o que dava gosto ver as brincadeiras dos miúdos.

Em 1982 substituíram-me novamente o sistema iluminante, retiram-me a ótica lenticular de fresnel e no seu lugar recebi um equipamento mais moderno (PRB-21) que incorporava todos os sistemas alternativo que garantia a sua entrada em funcionamento em caso de falha, com tudo isto deixei de estar guarnecido de faroleiros, como compensação podem ver “in loco” a minha antiga ótica lenticular de fresnel no Museu da direção de faróis (Paço de Arcos) onde está exposto. Passei a ter uma vida mais solitária, somente com visitas a tempos dos faroleiros para ver se estava tudo bem, com a presença dos coelhos, cagarras, almas negras e das barulhentas e agressivas gaivotas.

19 de janeiro de 1992, fui desligado, fiquei assustado, o que aconteceu? Quatro cidadãos marroquinos com idades entre os 15 e 18 anos, para que se desse conta da sua presença no Ilhéu desligaram-me. Posteriormente veio a saber-se que tinham embarcado clandestinamente em Casablanca, num navio Panamiano de nome “Laabibe”, e que este os largou no mar junto ao Ilhéu de Cima.

A minha vida foi decorrendo conforme as estações do ano, até que em setembro de 2003 resolveram retirar-me o sistema PRB-21 e em seu lugar instalaram o sistema BGA 850-ODA 360. Passei a funcionar exclusivamente através da utilização de energia solar.

Continuei a ter a companhia dos coelhos, havia um em especial que alguém alcunhou de “gola branca” que entre as babosas, na altura ainda não tinham sido arrancadas, quando via pessoas na minha varanda se punha em pé, suportado nas patas traseiras, como que a cumprimentá-los.

Em 2008 o Ilhéu passou a fazer parte da rede Natura 2000 e em 2009 do Projeto Life Ilhéus do Porto Santo, voltei a ver movimento em meu redor, criação de trilhos pedonais, colocação de placas informativas, tais como: cabeço das laranjas; das plantas endémicas (cenoura da rocha, goivo da rocha, marmulano e iscas) das aves: cagarra, alma negra , roque de castro e garajau comum (escarpa virada a sul) e por fim placa informativa dos caracóis endémicos do Ilhéu. Durante estes anos (2009 a sensivelmente 2012/13 era normal estarem cientistas (biólogos marinhos, geólogos e ornitólogos, entre outros, nos períodos compreendidos entre a primavera e o final do verão em trabalhos científicos no Ilhéu, acamparam em tendas mesmo à minha frente.

No período compreendido entre 2009 a março de 2019) fui visitado e admirado em todo o meu esplendor e interior por cerca de 20.000 pessoas, pessoas estas oriundas dos quatro cantos do mundo, só para terem uma idéia, desde Japoneses, Russos, Polacos, Ingleses, Alemães, Brasileiros, Espanhóis. Italianos e como não poderia deixar de ser muitos Nacionais desde Madeirenses, Açorianos e Continentais, participei também em programas de Televisão, Nacionais e Internacionais (RTP, RTPM, SIC, TVI ZDF e outros que não me recordo agora, para revistas, Evasões, Sábado e Visão, penso que me estou a esquecer de uma ou outra.

Nesta altura (2012) já sem a companhia dos coelhos que foram eliminados (Associação de Caçadores de Porto Santo, montagem de laços e armadilhas, efectuada pelos Vigilantes da Natureza) por recomendação de cientistas, uma das razões apresentada era que os ditos “cujos” devoravam as plantas endémicas.

Para terminar esta minha pequena resenha de vida, resta-me acrescentar que a partir de março de 2019 por determinação superior , salvo visitas “oficiais” o acesso ao meu interior passou a ser interditado nos moldes em que vinha a ser efectuado, entendo e compreendo a tristeza de quem estando tão perto de mim não puder aceder ao meu interior, sei que houve sempre alguém, que contava a minha história de vida aos visitantes do Ilhéu, tentando dessa forma atenuar a impossibilidade da não visita ao meu interior, subir a escada em caracol e por vezes fazer ter um pouco de “sauna” gratuitamente (muito calor no interior provocado pelo sol a incidir nos vidros)

Deixo a todos vós, não um abraço, mas sim, os meus três relâmpagos brancos do tamanho do mundo.”

Texto gentilmente cedido por Jorge Jacinto (militar da Marinha Portuguesa na reforma)

Município do Porto Santo, 11 de maio de 2021

Farol do Ilhéu de Cima (Porto Santo)

– Informações técnicas
Localização: Ilhéu de Cima Ponta SE
Estabelecimento: 11 de Maio de 1901
Latitude: 33º 03,06’ N - 33º 03,28’ N (WGS 84)
Longitude: 16º 16,51’W – 16º 16,75 W (WGS 84)
Altura da Torre: 15 M
Altitude: 124M
Alcance: 21 milhas (38,9 Km)
Característica (assinatura): FI (3)W 15s (Lt0,2s;Ec 2,3s;Lt0,2s;Ec 2,3s;Lt 0,2s;Ec 9.8

FAROL DO ILHÉU DE CIMA

 

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